Essa semana, o que me chamou a atenção foi o caso do PM de São Paulo que atirou contra um camelô, quando estava com a sua equipe efetuando uma prisão. Existem diversas matérias sobre o assunto, e uma delas pode ser encontrada aqui.
Em primeiro lugar, o que cabe destacar neste post é o tema policial relacionado ao caso, que é o USO SELETIVO DA FORÇA. Vocês vão aprender no Curso de Formação Policial do DPF (pra quem estiver focando a PF) um monte de coisas a respeito deste tema, numa matéria ministrada pelo SEOP. Nela, aprendemos, dentre outras coisas, que o policial deve agir de acordo com a legalidade, que deve se preservar (e preservar seus colegas e os cidadãos também), e que deve agir de forma progressiva, empregando meios mais leves primeiro, e depois evoluindo para meios mais agressivos, se assim a situação ensejar.
Com relação à progressão dos meios empregados, inicia-se geralmente com a VERBALIZAÇÃO, que deve ser firme e segura. Normalmente a maioria das pessoas vai obedecer à verbalização, mas existem casos em que o abordado está fora de si (drogado, bêbado, nervoso/emocionado, etc). Só a experiência policial é capaz de ajudá-lo numa situação tensa, para identificar se a pessoa vai acatar ou não à ordem verbalizada. Se o abordado obedecer, a situação está resolvida, ou encaminhada para uma solução. Caso não obedeça, outros meios mais enérgicos podem ser necessários.
É aqui que entram os outros elementos. Cada força policial dispõe de alguns deles, não necessariamente todos, nem nesta ordem, mas de uma forma geral são os mais usualmente utilizados. Dentre eles, podemos destacar o uso de imobilizações e chaves de artes marciais, o uso de tonfas ou barras retráteis, sprays de pimenta, tasers (aqueles dispositivos que dão choque elétrico), armas que disparam munições de borracha, ou, se nada disso der certo, o uso da arma de fogo que dispara projéteis propriamente ditos.
Normalmente utiliza-se primeiro um meio/elemento menos letal, e caso este não funcione, avança-se para o mais letal. Mas também existem casos em que é necessário pular etapas. O policial não é obrigado a utilizar, necessariamente, um meio menos letal, e depois ir avançando para um meio mais letal. Dependendo da situação, a arma de fogo pode ser usada logo de início, por exemplo. A situação é que vai definir se é possível a utilização de um meio menos letal primeiro, para depois avançar para um meio mais letal, se isto for necessário.
Pois bem, no caso do policial em SP, nota-se que o mesmo verbalizou bastante com os cidadãos, enquanto seus dois colegas imobilizavam o abordado no solo. Ainda assim, a população continuou reagindo de forma agressiva, gritando palavras de ordem, e diminuindo o cerco contra os policiais, pressionando pela libertação da pessoa que estava sendo abordada. A verbalização, ali naquele momento, não estava sendo suficiente.
É importante ressaltar que, numa situação como essa, com dezenas de pessoas nervosas à volta, havendo três policiais apenas, estes estavam em grande desvantagem numérica. Qualquer deslize na preservação do perímetro poderia fazer com que as pessoas à volta avançassem em direção aos policiais, subtraindo suas armas, e deixando-os à mercê da revolta popular. Esse tipo de situação é muito indesejada, pois a multidão enfurecida é capaz de agir com extrema violência, além de não saberem como operar uma arma, podendo atingir até outras pessoas inocentes.
Enfim, a situação estava tensa, a verbalização não estava surtindo efeito, e o policial partiu para o segundo elemento que dispunha naquele momento, que era o spray de pimenta. No vídeo, é possível ver algumas pessoas tossindo por conta do spray, mas ele não resolve muita coisa. O policial estava com o spray na mão, fazendo uso seletivo da força, ou seja, utilizando um elemento um pouco mais eficaz que a verbalização, mas ainda abaixo da arma de fogo.
Em seguida, reparem que, mesmo com a utilização do spray de pimenta, o povo continua reagindo de forma agressiva, cercando os policiais, não obedecendo aos comandos proferidos pela autoridade, que estava agindo em nome do Estado. Neste momento o policial não tem outra escolha, senão utilizar do próximo meio do qual dispõe, qual seja a arma de fogo. Mas neste momento ele não atira, apenas empunha a arma e continua verbalizando, olhando para todos os lados e mantendo o perímetro, tentando manter as pessoas afastadas.
Infelizmente as pessoas ainda não obedecem o comando, e continuam se aproximando mais ainda, perigosamente, tanto pra elas, quanto para os policiais.
É depois deste momento que um deles avança contra o policial, tentando segurar a mão em que estava o spray de pimenta, e o policial atira contra o mesmo. Todos correm e se afastam.
O que o policial poderia ter feito de diferente nesta situação? O tiro foi realmente necessário? Havia outros meios de dispersar aquele grupo que avançava perigosamente contra a guarnição?
Se esta situação tivesse ocorrido nos Estados Unidos, certamente seria considerada um caso de legítima defesa, de ação policial perfeita, e respaldada na lei. Isto porque lá, esse tipo de atitude, de avançar contra um policial, é combatida com fogo. Inclusive existe hoje em dia até uma expressão chamada SUICIDE BY COP (Referência: http://en.wikipedia.org/wiki/Suicide_by_cop).
Numa tradução livre, a partir do texto da Wikipedia, o SUICIDE BY COP é "um método de suicídio no qual um suicida age deliberadamente de uma forma ameaçadora, provocando uma reação letal de um policial ou de alguém legalmente armado, sendo atingido por arma de fogo e sendo levado à morte".
Ou seja, isso significa que alguém que parte para cima de um policial armado está, na prática, cometendo suicídio, pois sabe, de antemão, que o policial não permitirá se colocar numa situação de risco em que sua arma possa ser subtraída e usada contra ele próprio, de forma que agirá agressivamente de forma a cessar tal agressão, até mesmo atirando contra o agressor, de forma que ele poderá até mesmo morrer.
Eu entendo que este foi exatamente o caso do camelô de São Paulo, pois ele partiu para cima de um policial com arma na mão, numa situação extremamente tensa, em grande desvantagem numérica. O policial não poderia ter agido de forma diferente. Se o agressor tivesse tomado o spray da mão dele, faria o que em seguida? Usaria o spray contra o próprio policial (que ficaria cego e não poderia mais se defender)? Tentaria em seguida tomar a arma do policial, e quem sabe atirar nele e nos seus colegas?
Enfim, tenho lido muitas críticas na internet sobre o caso, muitas análises. A maioria das pessoas que criticam não são policiais. Os que defendem a atitude do policial, são também policiais, em sua maioria. Entendo que a situação seja bem complicada e tensa, realmente, mas ela aconteceu, e nada poderia ter sido feito de forma diferente. O policial não poderia colocar em risco a sua própria vida e de seus colegas, e também dos cidadãos que estavam ao redor. Não poderia permitir que alguém despreparado e nervoso roubasse sua arma, que poderia ser utilizada contra ele próprio. Não havia mais nada a ser feito a não ser atirar contra o camelô.
Infelizmente o que acontece é que as pessoas agem por impulso em situações como essa, e não têm noção do risco que estão correndo. O fato de ter acontecido essa tragédia vai ajudar que outras pessoas no futuro não corram o mesmo risco, não tentem avançar de forma agressiva na direção de um policial armado, que é um ser humano e aprendeu que deve agir de forma a preservar a sua vida. Os policiais que hesitam em responder este tipo de agressão muitas vezes têm suas armas roubadas, e às vezes até usadas contra eles mesmos.